Esse texto é uma revisão e reformulação do original escrito há mais de 10 anos e que tristemente se mantém atual.
Qual é o seu Whatsapp? Me fizeram essa pergunta outro dia, nem me lembro quem. "Meu número de telefone, você diz?" — respondi. Coisa parecida já vi quando um diz para o outro: "Me adiciona lá no Insta(gram)".
Estamos na era das redes sociais. Na era da solidão individual — mesmo estando nós, humanos, beirando a superlotação neste planeta.
Vivemos sempre necessitados de afirmação e reconhecimento. E, assim, vemos as famosas selfies em academias, cujo objetivo é um pedido quase desesperado por mensagens de apreciação… simplesmente chamar a atenção com músculos e bundas, mas que são pobremente disfarçadas de mensagens de motivação "foco no treino", "no pain, no gain"; vemos as fotos de pratos de comida, de cenários montados para exibir um fim de tarde perfeito com um bom vinho e um livro de algum escritor russo, o qual, talvez, o autor da foto nunca leu e nunca vai ler.
E, criando falsos cenários, estamos entristecendo as pessoas do outro lado da tela, que estavam tão tristes e solitárias quanto nós e que, agora, lamentam ver que todos os demais estão vivendo vidas perfeitas, com corpos sarados, namorado(a)s lindos e gentis e fins de tarde perfeitos.
É tudo falso; é tudo mentira.
Vejam que legal a área de trabalho na qual escrevo este texto:
O problema é que este é um cenário "baseado" em fatos reais. Foi montado para passar uma imagem mais bonita do que realmente é. Vejam a foto que tirei antes de "montar" esse cenário e que mostra as coisas como realmente estavam:
Vejam que zona. Percebam que até uma raquete para assassinar o maldito mosquito que me incomoda há mais de meia hora está ali. E esse tanto de cabos tirando a harmonia? E onde está o pires da xícara de café? E o Moleskine (figura já carimbada de fotos de "áreas de trabalho")?
Esta é a ilustração perfeita para praticamente todos os posts e selfies das redes sociais.
As fotos de redes sociais têm que mostrar a vida perfeita que o autor leva. A não ser que seja para contar um caso engraçado ou passar lições de moral, ninguém quer mostrar o mosquito que tanto estraga o momento, o fedor que estava na praia daquela foto de "curtindo as férias num lugar paradisíaco" (e muito menos as dívidas criadas para pagar a viagem); ninguém quer mostrar a frieira, a estria, a celulite…
"Olha a prancha nova que ganhei de Natal."
E, assim, comecei a ver as redes como uma espécie de zoológico. Podemos entrar e observar os animais exóticos que ali habitam - tristes, solitários, amargurados… - mas dentro de um "cenário" criado para fazer as crianças pensarem que estão felizes.
Há algum tempo, estive em Fernando de Noronha, uma ilha mar adentro que possivelmente é a capital brasileira dos influencers. Um lugar onde as pessoas pagam caro para ir tirar fotos para postar, e não para viver o lugar. Notei lá uma grande semelhança com aqueles jatinhos que são alugados em solo só para os influencers poderem tirar fotos dentro, como se estivessem voando em seus jatinhos particulares.
Lá em Noronha é assim: eu, com minha barriga e minha long neck de cerveja que me custou 25 reais, estava sentado na beira de uma praia paradisíaca, quase sem turistas, debaixo de um guarda-sol pelo qual me cobraram 100 reais. Só isso foi o suficiente para que eu pensasse: “com esses valores absurdos, ficarei agora o dia inteiro aqui, bebendo, mergulhando, me queimando e tentando não pensar neles”. Apesar dos pesares, foi realmente relaxante e incrível o dia.
Mas… também havia um grande show que dava pra acompanhar de camarote da minha cadeira de sol: os influencers.
A cada tantos minutos, passava um casal em que o marido/namorado/amigo nada mais era do que um cinegrafista registrando todos os passos e poses daquelas de corpos construídos e beiços iguais. Todas faziam parecer que estavam curtindo o mar. Nenhuma entrou na água. Outra chegou ao ponto de pegar um equipamento de mergulho e fingir que estava saindo do mar para o vídeo/foto… completamente seca.
As pessoas querem postar todas essas coisas, querem postar todos os falsos sorrisos - e choros também. Quantas vezes não vi gente se filmando chorando para postar. É lastimável essa necessidade desesperada por atenção.
Chegamos ao ponto em que deletar uma conta no Instagram pode ser considerado um suicídio digital. Estamos deixando de viver para postar. A foto da comida sai antes da primeira garfada; pagamos caro para assistir um show in persona, mas o assistimos através da câmera dos smartphones que filmam o show para ser postado; nos tornamos espectadores de nossas próprias vidas.
E as redes sociais sabem disso - e, com isso, ganham dinheiro. Sua tristeza é lucrativa; sua felicidade, não, pois ela não é postada.
Fantástico! Parabéns pelo texto.
Concordo 100%, depois que exlcui meu instagram, me parece que que sai da bolha da vida perfeita que não existe, unica coisa ruim é que não acompanho mais suas lives de domingo, nem sei se vc ainda faz